Anne Love Joy e Anjo Cão abriram, Sábado às 22.30, o palco do Ginásio Clube na primeira sessão da XIII edição do Festival de Música Moderna de Corroios. A diversidade marcaria a noite num arranque com chave de Ouro. Porque se em palco os músicos se portaram como profissionais, o público ao aparecer em força, realçou o trabalho de todos. Apareceu gente da terra, assim como dos concelhos vizinhos ou mesmo de Lisboa. Menos expansivo que o público habitual dos Festivais, de notar que os músicos tocaram para quem realmente os queria ouvir, a prová-lo, o silencio quase total que por vezes se instalava. Verdadeiros amantes de música, até João Aguardela (ex-Sitiados e actual Megafone e A Naifa) marcou uma presença discreta mas atenta ao trabalho das bandas, enquanto se fundia com o público anónimo. As estrelas da noite eram os Almadenses Anne Love Joy e os Lisboetas Anjo Cão – revelaram variantes diferentes na música, atitude e objectivos – oferecendo-nos, por isso, uma noite surpreendente e recheada qual bombom suíço.
A primeira banda a actuar – Anne Love Joy – causou-nos a estranha sensação de viajar no tempo. Estaríamos em Corroios ou algures num clube dos subúrbios da Nova Iorque do final dos anos 70? Helga, a vocalista, de look punk/rocker a fazer lembrar a Madonna dos primeiros tempos - as pulseiras coloridas, a fita no cabelo ou mesmo os suspensórios - com direito a pulinhos joviais e despretensiosos. David, o guitarrista tinha-nos avisado “ela costuma dançar muito durante os espectáculos”.É ele que liga a dupla à terra acompanhando a batida tecnho com as suas guitarras eléctricas. Assim, mergulhamos em Manchester, ou como lhe chamaram nos loucos anos 80 “Mad Chester”, a lembrar os Happy Mondays ou New Order. Ficámos a saber que Anne Love Joy foi uma das impostoras mais famosas do mundo. Na noite de Sábado, a banda que escolheu um nome icónico para se apresentar ao público, deixou bem claro que a música é uma linguagem universal e isso é audível sob uma batida techno onde povoam mil e uma referências musicais. Até a voz de Helga nos momentos mais intensos assemelhava-se ao registo de uma Diva negra da Motown. Podemos dizer que estão bem longe de ser uma farsa!
Logo depois ecoava poesia pura na língua de Camões. Anjo Cão gostam pouco de falar do que são enquanto banda. Guardam a energia vibrante do bom Rock n’ Roll à antiga para o palco. Se por um lado, os Anne Love Joy fizeram a festa usando e abusando das novas tecnologias a favor de uma actuação cujo objectivo era fazer as pessoas dançar, a banda de Lisboa, deixou-nos literalmente aterrados com os pés no chão. E se às vezes as palmas custavam a romper não era por falta de interesse, mas era difícil para o público recuperar daquela dose industrial de rock cavernoso e visceral. Antes do concerto o vocalista vagueava para onde o levavam, de olhos colados ao chão, note-se tom azul gélido a antítese do que seriam na noite de estreia em Corroios. Provavelmente estava a preparar-se para um processo de exorcismo público. Os demónios tinham dia e hora marcada e surgiram em palco ao serviço dos Anjo Cão. Um registo de voz grave - e embora não assumam, as primeiras impressões foram inevitavelmente para uma sonoridade semelhante a Mão Morta - é fantástico saber que nem todas as influencias musicais têm de vir de fora. Um rock estridente a contrastar com a atitude compenetrada dos músicos e a aparente contenção do “front man” que lutava permanentemente entre anjos e demónios.
Por fim, os cabeça de Cartaz, Plastica. O passado da banda de Almada há muito que está intimamente ligado ao Festival e por isso estiveram a tocar em casa. Apresentaram músicas dos 3 Cds e passaram ao lado dos singles orelhudos – “Sleep All Day” ou “Around”. Houve ainda tempo para a versão de “Two Hearts” que ultimamente temos ouvido na versão mais Cabaret Rock de Kylie Minogue e uns pozinhos de “pirlimpimpim” para cair nas boas graças da MTV. Ao vivo o colectivo é francamente mais rock e menos psicadélico. Experimentaram ao vivo alguns temas que vão começar a gravar esta semana. Miguel Fonseca, o vocalista, revelou em primeira mão que a banda entra em estúdio na Segunda-Feira para a gravação do sucessor de “Kaleidoscope”.Não deixa de ser interessante que menos de uma hora antes os Plastica tocaram na Cova de Piedade, voaram até Corroios, entraram em palco a horas e enquanto o guitarrista Pedro Galhoz elogiava o poster de promoção da primeira noite do Festival, o baterista Rui Berton ainda embalado pelo espectáculo anterior confidenciava no backstage que nem teve tempo para tomar um banho “estou a cheirar a cavalo”. Mas o rock n’ roll é mesmo assim suado e apaixonado e nisso a primeira sessão do Festival de Corroios foi pródiga!
Texto: Claudia Matos Silva